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Santos Dumont é homenageado 110 anos após voo do 14-Bis

Foi numa engenhoca construída com seda, bambu, madeira e peças de metal que Alberto Santos Dumont, há 110 anos, realizou o sonho da Humanidade de voar com um equipamento mais pesado que o ar. Em outubro de 1906, o 14-Bis mostrou ao mundo que era possível decolar e pousar sem auxílio externo e, no mês seguinte, registrou o primeiro recorde reconhecido pela Federação Aeronáutica Internacional ao sobrevoar a distância de 220 metros em 21 segundos. Para o olhar contemporâneo, a primeira aeronave da História parece uma peça de museu, mas suas contribuições ainda hoje estão presentes na engenharia aeronáutica.

A partir de terça-feira, o Museu do Amanhã abriga a exposição “O poeta voador — Santos Dumont”, com conteúdo audiovisual, jogos e atividades interativas que contam a contribuição do inventor brasileiro para o sucesso da navegação aérea. Entre as atrações, protótipos de modelos e uma réplica em tamanho real do Demoiselle.

— É claro que os materiais evoluíram e a eletrônica sofisticada foi introduzida, mas todos os elementos básicos estão no 14-Bis — diz Henrique Lins de Barros, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e consultor científico da exposição. — A asa e o motor são lógicos, mas o 14-Bis introduz todo o sistema de controle e os ailerons (peças que controlam o movimento de rolamento da aeronave). Os cálculos aerodinâmicos, que indicaram a potência necessária para a sustentação do voo, são usados para qualquer avião. Todos esses elementos estavam presentes, o resto é desenvolvimento.

Em uma década, de 1898 a 1908, Santos Dumont construiu 22 equipamentos voadores. O primeiro foi o Balão Brasil, com apenas seis metros de diâmetro e 30 quilos, o mais compacto da época. Em 1901, o primeiro grande feito: com o dirigível nº 6, Santos Dumont percorreu 11 quilômetros e deu uma volta na Torre Eiffel em menos de 30 minutos. Assim, provou que o voo controlado (contra e a favor do vento) era possível, e venceu o Prêmio Deutsch, de 100 mil francos, uma fortuna na época.

 Os projetos de dirigíveis foram aprimorados até o nº 14, de 1905. Nessa época, surgiram notícias que os irmãos americanos Wilbur e Orville Wright haviam criado uma máquina voadora mais pesada que o ar, atraindo o interesse de Santos Dumont. No ano seguinte, o 14-Bis alçava voo. Barros explica que o inventor reuniu o que havia de mais moderno entre projetos de aviação com o motor Antoinette de oito cilindros, usado originalmente em barcos, e resolveu o principal problema do voo: alcançar velocidade suficiente em solo para gerar força de sustentação para a decolagem.

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Fotos: divulgação

O empresário Alan Calassa é uma das poucas pessoas no mundo que já pilotaram um 14-Bis. Para as celebrações do centenário do voo, em 2006, o entusiasta construiu uma réplica com base em fotografias e relatos. Segundo ele, a pilotagem é bastante particular. O comando dos ailerons, usado para estabilizar e fazer curvas, é feito com o movimento dos ombros. O pouso e a decolagem, levantando e abaixando o bico, é feito com um manche, mas a direção é dada por uma roda.

— A mão esquerda comanda a roda, a direita, o manche. E cordas presas nos ombros controlam os ailerons. É um pouco complicado. Para fazer uma curva à direita, você joga o corpo para o lado esquerdo e movimenta o leme com a roda — explica Calassa. — Foi Santos Dumont quem criou os comandos básicos da aviação.

CONHECIMENTO COMPARTILHADO

Uma marca do 14-Bis é a presença do leme na parte frontal. O arranjo, conhecido como canard (pato, em francês), é diferente da maioria das aeronaves comerciais modernas, que possuem o leme na parte traseira. Visto no 14-Bis, parece ultrapassado, mas é cada vez mais utilizado na engenharia aeronáutica, sobretudo em caças de guerra. O Gripen NG, comprado pela Força Aérea Brasileira, é exemplo de uso da tecnologia canard.

— Outros projetos de planadores já utilizavam o canard — explica Paulo Celso Greco Junior, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. — Tem vantagens, por gerar mais sustentação, o que facilita decolagem e manobras, por isso é muito usado em caças. Por outro lado, é menos estável.

Após o 14-Bis, outros pioneiros se lançaram ao ar. Em 1907, Robert Esnault-Pelterie também realizou um voo motorizado. Em 1909, o francês Louis Blériot cruzou o Canal da Mancha. E Santos Dumont apresentou o Demoiselle (libélula, em francês) nº 20, seu último projeto, o primeiro ultraleve da História, percursor da aviação moderna.

— Na Primeira Guerra, muitos aviões eram versões do Demoiselle — diz o coronel Denar de Carvalho Soares, do Museu Aeroespacial.

Santos Dumont também teve papel fundamental na popularização da aeronáutica. O projeto detalhado do Demoiselle nº 20 foi publicado revista “Popular Mechanics”. A fabricante de automóveis francesa Clément-Bayard deu início à indústria aeronáutica com a produção de aproximadamente 50 Demoiselles. O projeto se tornou popular nos EUA, com companhias americanas fabricando aviões e peças por muitos anos seguindo o modelo.

A manchete da “Popular Mechanics” era clara: “Santos Dumont doa patentes de aeroplano ao mundo”. E a reportagem esclarecia que “os direitos de patente da máquina foram tornados públicos por Santos Dumont para encorajar a aviação, e qualquer um pode usar esses planos para construir uma máquina similar”.

— Santos Dumont não tinha o compromisso de ganhar dinheiro — avalia Alexandre Figueiredo, diretor de Ensaios da Embraer. — Quando a gente compartilha o conhecimento, a tendência é que o desenvolvimento seja mais rápido.

 

Fonte: Jornal O Globo