Mais indígenas nas universidades públicas brasileiras
Estudantes indígenas participam, hoje (28/10), de processo seletivo para ingresso em cursos da Universidade de Brasília (UnB). Ao todo, 716 candidatos tiveram inscrição homologada e concorrem a uma das 72 vagas em 21 cursos de graduação da UnB.
O chamado vestibular indígena é composto por duas fases: na primeira, prova objetiva e redação; na segunda, análise de documentação e entrevista. Ambas serão realizadas nas cidades de Brasília; Águas Belas, em Pernambuco; Baía da Traição, na Paraíba; Cruzeiro do Sul, no Acre; Manaus e Lábrea, no Amazonas; e Macapá. Os 716 candidatos que tiveram a inscrição homologada concorrem a uma das 72 vagas em 21 cursos de graduação da universidade.
A UnB foi a pioneira na adoção do vestibular indígena, mas há três anos não realizava esse processo seletivo, que é parte do acordo de cooperação técnica entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Universidade de Brasília (FUB).
Segundo o diretor de Acompanhamento e Integração Acadêmica da UnB, Diego Madureira, a retomada foi fruto de demanda dessa população. Ele diz que o processo é muito peculiar, pois tem como público-alvo pessoas que vivem em comunidades tradicionais, nas quais há pouco acesso à internet, por onde geralmente são divulgadas informações sobre vestibulares, e que vivem em condições econômicas precárias. Prazos alargados, mobilização de indígenas que já estudam na instituição e contato com organizações foram algumas das estratégias adotadas para superar essa dificuldade.
De acordo com Madureira, essa ação afirmativa aprovada pelas instâncias superiores da universidade acaba atingindo uma parcela da população que não é atendida sequer pelas cotas tradicionais. “O nosso público é aquele que jamais teria essa oportunidade”, ressalta. Como resultado, a UnB espera viabilizar tal oportunidade e tornar o ambiente universitário mais diverso.
Ao longo dos anos 2000, diversas instituições seguiram o exemplo da Universidade de Brasília e, atendendo à demanda dos povos indígenas, passaram a adotar processos seletivos direcionados para eles. O vestibular indígena é feito também pelas universidades federais do Paraná, da Bahia, de São Carlos, do Amazonas e de Roraima e pela universidade estadual do Paraná.
A Universidade Federal de Roraima é a única que conta com um instituto de formação superior indígena, o Insikiran, que oferece três cursos de formação em nível de graduação para povos tradicionais: os bacharelados em gestão ambiental e gestão em saúde coletiva, além da licenciatura intercultural.
A lista tende a crescer. Recentemente, uma das instituições de ensino mais importantes do país, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou proposta de adoção do vestibular indígena para 2019. Fruto de estudo da comissão responsável pelo processo seletivo (Comvest), a proposta partiu da percepção da baixa presença indígena na Unicamp. Desde a adoção da Política de Ações Afirmativas da Unicamp, em 2004, o número médio de ingressantes varia de 7 a 17 estudantes matriculados por ano. A proposta prevê que todos os cursos de graduação da Unicamp ofereçam pelo menos mais de uma vaga suplementar destinada a indígenas até 2021.
Os vestibulares específicos têm base na Constituição Federal de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada, que respeite os modos de produção e transmissão de conhecimentos próprios de cada povo e orienta a efetivação de política nesse sentido. Parte, ademais, da consideração de que o atual modelo de escolas indígenas com currículos diferenciados traz a importância de um acesso específico que contemple e reconheça o modelo de educação diferenciada, de forma a garantir o princípio da equidade, diz documento da Comvest.
Outro mecanismo que tem levado à ampliação da presença indígena no ensino superior é a oferta de cursos de licenciatura intercultural para estes grupos. Criado no contexto do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), tem como meta formar professores para lecionar em escolas indígenas. Nesses cursos, seguindo o método da pedagogia da alternância, o aprendizado ocorre tanto em sala quanto nas comunidades, em períodos de aplicação prática. Hoje, segundo a Funai, pelo menos 15 universidades públicas oferecem tal formação.
Além desses instrumentos específicos, a política mais ampla definida pela Lei de Cotas tem gerado a reserva de cerca de 5% das vagas totais das instituições de ensino superior para indígenas. Neste caso, eles têm acesso à universidade pelo vestibular tradicional.
Pós-graduação
Nos cursos de pós-graduação, a movimentação para essa abertura, inclusive por meio de cotas, é mais recente. Em 2015, a Universidade Federal de Goiás foi a primeira instituição pública de ensino do país a adotar cotas na pós-graduação. A reserva de vagas para indígenas já é uma realidade também nos programas de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional (UFRJ) e de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, bem como nos cursos de mestrado em antropologia e linguística da UnB, entre outros. A UnB oferece ainda mestrado profissional em sustentabilidade junto a povos e terras tradicionais, com a maioria das vagas destinada a pessoas de comunidades tradicionais.
Neste ano, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) adotou, por consenso, uma resolução inédita: reservou vagas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em todos os programas de mestrado, mestrado profissional e doutorado. No caso dos indígenas, eles adquiriram o direito de ter acesso a pelo menos uma vaga suplementar em cada curso. A medida valerá para processos seletivos realizados a partir de 2018. Os vestibulares sofrerão adaptações para atender, entre outras situações, a necessidades de indígenas que não dominam a língua portuguesa.