O empresário Alan Calassa é uma das poucas pessoas no mundo que já pilotaram um 14-Bis. Para as celebrações do centenário do voo, em 2006, o entusiasta construiu uma réplica com base em fotografias e relatos. Segundo ele, a pilotagem é bastante particular. O comando dos ailerons, usado para estabilizar e fazer curvas, é feito com o movimento dos ombros. O pouso e a decolagem, levantando e abaixando o bico, é feito com um manche, mas a direção é dada por uma roda.
— A mão esquerda comanda a roda, a direita, o manche. E cordas presas nos ombros controlam os ailerons. É um pouco complicado. Para fazer uma curva à direita, você joga o corpo para o lado esquerdo e movimenta o leme com a roda — explica Calassa. — Foi Santos Dumont quem criou os comandos básicos da aviação.
CONHECIMENTO COMPARTILHADO
Uma marca do 14-Bis é a presença do leme na parte frontal. O arranjo, conhecido como canard (pato, em francês), é diferente da maioria das aeronaves comerciais modernas, que possuem o leme na parte traseira. Visto no 14-Bis, parece ultrapassado, mas é cada vez mais utilizado na engenharia aeronáutica, sobretudo em caças de guerra. O Gripen NG, comprado pela Força Aérea Brasileira, é exemplo de uso da tecnologia canard.
— Outros projetos de planadores já utilizavam o canard — explica Paulo Celso Greco Junior, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. — Tem vantagens, por gerar mais sustentação, o que facilita decolagem e manobras, por isso é muito usado em caças. Por outro lado, é menos estável.
Após o 14-Bis, outros pioneiros se lançaram ao ar. Em 1907, Robert Esnault-Pelterie também realizou um voo motorizado. Em 1909, o francês Louis Blériot cruzou o Canal da Mancha. E Santos Dumont apresentou o Demoiselle (libélula, em francês) nº 20, seu último projeto, o primeiro ultraleve da História, percursor da aviação moderna.
— Na Primeira Guerra, muitos aviões eram versões do Demoiselle — diz o coronel Denar de Carvalho Soares, do Museu Aeroespacial.
Santos Dumont também teve papel fundamental na popularização da aeronáutica. O projeto detalhado do Demoiselle nº 20 foi publicado revista “Popular Mechanics”. A fabricante de automóveis francesa Clément-Bayard deu início à indústria aeronáutica com a produção de aproximadamente 50 Demoiselles. O projeto se tornou popular nos EUA, com companhias americanas fabricando aviões e peças por muitos anos seguindo o modelo.
A manchete da “Popular Mechanics” era clara: “Santos Dumont doa patentes de aeroplano ao mundo”. E a reportagem esclarecia que “os direitos de patente da máquina foram tornados públicos por Santos Dumont para encorajar a aviação, e qualquer um pode usar esses planos para construir uma máquina similar”.
— Santos Dumont não tinha o compromisso de ganhar dinheiro — avalia Alexandre Figueiredo, diretor de Ensaios da Embraer. — Quando a gente compartilha o conhecimento, a tendência é que o desenvolvimento seja mais rápido.
Fonte: Jornal O Globo