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É possível curar feridas com larvas desinfectadas e criadas em laboratório?

Tratamento já existe no Reino Unido desde os anos 2000.

Philipe Campos

O que parece ser um roteiro de filmes de ficção científica ou de sobrevivência na selva, é totalmente real e possível. A técnica primitiva de curar feridas por larvas de moscas usada com fins medicinais pelos povos maias está de volta, mas desta mais higiênica, usada em feridas de difícil cicatrização e contra o esgotamento de antibióticos.

Essa técnica, conhecida como terapia larval, ainda incipiente no Brasil, se conecta a um saber milenar, embora de aspecto repulsivo: há registros históricos de que povos como os maias, na América Central, e os aborígenes australianos já usavam larvas para tratar machucados, milhares de anos atrás.

Os maias, por exemplo, banhavam tecidos em sangue animal, deixavam-nos expostos ao sol para atrair moscas e depois os aplicavam nas feridas humanas, onde as larvas proliferavam.

A técnica também foi documentada por médicos da era medieval europeia, da Guerra Civil Americana em 1861 e da Primeira Guerra Mundial em 1914.

Técnica usada atualmente

Minúsculas larvas já estão sendo despachadas por um laboratório de Campinas no interior de São Paulo, rumo a hospitais de outras cidades como Natal, Rio de Janeiro, Petrópolis, Belo Horizonte e Porto Alegre. As larvas usadas nesta técnica se alimentam de tecido humano em decomposição, ou seja, ao serem colocadas sobre a pele em feridas infectadas causadas, por exemplo, por diabetes ou úlceras venosas, as elas comem o tecido morto e secretam substâncias curativas, evitando ou reduzindo o uso de antibióticos.

No Brasil, pesquisadores querem validar esse tipo de terapia na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que hoje não enquadra esse tipo de tratamento como medicamento ou dispositivo médico, mas ainda é um tratamento que enfrenta muitos obstáculos.

Foto: Paulo Carneiro – PHOTOPRESS – ESTADÃO CONTEÚDO

Tratamento já existe no Reino Unido

No Reino Unido, o tratamento é feito com larvas desinfectadas em laboratório e juntadas em pequenas bolsas biológicas permeáveis, parecidas a um saquinho de chá. Sob orientação médica, essas bolsas são colocadas por até cinco dias em cima da ferida infectada e depois descartadas como lixo hospitalar.

A terapia larval passou a ser usada por alguns hospitais do Serviço Público de Saúde (NHS) britânico a partir da década de 2000, na mesma época em que foi aprovada pela agência reguladora de medicamentos (FDA) dos EUA.

De acordo com a entrevista cedida à BBC News Brasil, a médica Yamni Nigam, que também é professora de Ciências Biomédicas na Universidade de Swansea, no Reino Unido. “As larvas desinfectadas e criadas em laboratórios, são da mosca Lucilia sericata que é de uma espécie não invasiva, incapaz de parasitar o corpo humano. Elas simplesmente se alimentam desses tecidos infectados e necrosados, limpam a ferida e estimulam a formação da pele boa. O seu principal uso é em pacientes com diabetes, cujas feridas, se não tratadas, podem levar a amputação de membros ou à morte. São feridas que simplesmente não cicatrizam, e às vezes o paciente sequer percebe, porque os nervos (da área machucada) não estão funcionando – há uma neuropatia. É um caso clássico para o uso de larvas”, explicou Nigam.

No Reino Unido, Yamni Nigam também fala em mudar a forma como enxergamos essas criaturas.

“Acho que (a terapia larval) nunca vai ser massificada, por causa do fator nojo, da relutância”, ela diz. “Mas acho que a percepção negativa associada às larvas precisa mudar. Temos de pensar nelas como medicamento ou equipamento médico, e não como um ser repulsivo que vemos no lixo.”

Fontes: Globo Saúde / BBC Brasil